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O que seu filho aprende com os super-heróis – Por Andressa Basilio


O que seu filho aprende com os super-heróis

Eles não só salvam o mundo dos inimigos como também oferecem uma longa lista de benefícios às crianças. Descubra as vantagens de seu filho embarcar no mundo da imaginação

Bebê Super herói com máscara (Foto: Sarahwolfe Photography/Getty Images)

Benício, 3 anos, não esconde de ninguém suas preferências. Em uma tarde de brincadeiras, calça sandálias do Homem-Aranha, traz uma capa vermelha do Super-Homem nas costas e, pendurado ao pescoço, um celular de brinquedo do Batman. O irmão gêmeo, Murilo, é mais discreto. Nada de acessórios ou fantasias no corpo, mas pergunte a ele o que deseja ser quando crescer… A resposta vem rápido, saída da ponta da língua: “Homem-Alanha”. Já o irmão mais velho, Benjamin, 6, não se envolve mais com o universo Marvel ou DC Comics. O negócio dele agora é o supervilão Darth Vader. “Não sei bem de onde veio essa paixão. Meu marido não é de gostar de histórias assim, eles não assistem a muitos desenhos de personagens e eu evito deixar que eles vejam filmes desse tipo. Acho meio violento”, diz a mãe, Mariane Crizostomo Nunes, 34.

Mal sabe ela que bastam pouquíssimos estímulos externos para que as crianças se sintam atraídas pelo carisma dos heróis. Afinal, eles são modernos, superpoderosos e tecnológicos, além de passarem por grandes aventuras para salvar o mundo. “O herói vai ao encontro de nossos maiores desejos e, por isso, se torna uma inspiração. Todo mundo quer superar desafios e vencer. As crianças também, só que, diferentemente de nós, elas entram de cabeça no mundo da fantasia”, explica a neuropsicóloga Lucilene Garcia de Farias, pesquisadora do Instituto Pelé Pequeno Príncipe, de Curitiba (PR). Ao se colocar no papel dessas figuras fantasiosas, as crianças podem combater vilões, travar batalhas e ser defensoras de seus próprios universos.

Além de prazerosa, a imersão no mundo da fantasia faz toda a diferença no desenvolvimento infantil, como mostram estudos ano após ano. Uma revisão recente de pesquisas, feitas com crianças de 4 a 10 anos entre 1985 e 2008, queria entender se a criatividade e a imaginação haviam sofrido efeitos ao longo do tempo. O trabalho, conduzido por cientistas da Universidade de Case Western Reserve, em Ohio (EUA), mostrou que não só as crianças estão mais imaginativas como também usam a brincadeira para desenvolver melhor a inteligência emocional. Os pesquisadores ressaltaram que, quanto mais essas habilidades infantis são usadas no dia a dia, melhor são as faculdades associadas à memória, à criatividade e à resolução de problemas, características muito valorizadas no mundo adulto. “Por meio da imaginação e da fantasia, elas aprendem a processar emoções e desenvolvem processos cognitivos fundamentais para o desenvolvimento ao longo da vida”, enfatiza a psicóloga responsável pela revisão, Sandra Russ.

Ao dar vida a um super-herói e fazê-lo passar por desafios, as crianças ensaiam para situações difíceis, enfrentam problemas e buscam soluções em seu repertório, um processo complexo e natural. Para a psicóloga Andrea Mutarelli, do Hospital Infantil Sabará (SP), o faz de conta é um modo de a criança conhecer o mundo, a si mesma e aos outros. “É saudável que ela use a fantasia para experimentar papéis que a realidade não permite que ela ocupe, como o da mãe ou do pai, da professora, da princesa ou até mesmo de um vilão”, diz.

Por falar em vilão, não é incomum encontrar crianças que, como Benjamin, cultuam essas figuras. Não há nada de errado nisso. “Pergunte a qualquer ator de cinema e ele dirá que interpretar o vilão é muito mais enriquecedor”, diz Rita Calegari, psicóloga do Hospital São Camilo (SP). “Ele é um personagem mais complexo, tem as melhores armas e os poderes mais divertidos. Ensina tanto que, sem ele, não há história, conflito e superação. É quem testa o mocinho e o transforma em herói”, esclarece a especialista. No entanto, os pais precisam ficar atentos se a carapuça está servindo para algo que extrapola o mundo da fantasia, como desvios de comportamento e agressividade. Neste caso, ajuda profissional é a melhor saída.

TELETRANSPORTE PARA A FICÇÃO

Os sonhos estão aí para provar que todos nós usamos a fantasia para escapar da realidade até o fim de nossas vidas. Porém, no caso das crianças, a vivência intensa desse universo tem hora para chegar e limite para começar a desvanecer. O pediatra Christian Muller, do Departamento de Desenvolvimento e Comportamento, da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), explica que, até os 3 anos, elas não distinguem entre realidade e fantasia e, por isso, dão vida a seres inanimados – a boneca dorme, o urso sai para passear… Entre 4 e 5 anos, o faz de conta começa a ser baseado em experiências do dia a dia e ajuda a explicar a realidade. Já entre 5 e 8 anos, as narrativas criadas pelas crianças ficam mais complexas, lógicas e coerentes. Surgem temas como vingança, raiva e desejo de realizações.

No meio de todo esse processo, tão importante quanto a família entrar na brincadeira é que ela ajude a dar referências para distinguir realidade e ficção. “Os pais precisam achar um jeito de dizer que, na hora do faz de conta, o filho pode ser quem ele quiser e fazer o que bem entender, mas, no mundo real, ele tem obrigações, como escovar os dentes, se alimentar direito, ir à escola e respeitar os mais velhos”, aconselha Quézia Bombonatto, da Associação Brasileira de Psicopedagogia.

Aliás, os heróis são ótimos para ajudar a passar ensinamentos, uma vez que carregam em suas histórias lições de moral. O Homem-Aranha, por exemplo, descobriu que “grandes poderes exigem grandes responsabilidades” e que é preciso aprender a lidar com as consequências de suas escolhas. Já o Batman sabe que debaixo da fantasia existe um humano. Por isso, usa a inteligência para superar toda a força que ele não tem, e por aí vai.

VISÃO ALÉM DO ALCANCE

Embora não haja data certa para a fantasia ir embora de vez, esse é um processo que acontece naturalmente, motivado pelas experiências do mundo real e pelas conquistas de novos territórios, como explica a neuropsicóloga Lucilene: “As crianças vão batalhar com seus bonecos, coordenam seus reinos, entram em foguetes fantásticos e exploram outras galáxias até que esses argumentos começam a não servir mais. Cedo ou tarde, chega aquele momento em que a própria vida exige que ela arranque a barba do Papai Noel”. Isso não quer dizer que ela vai parar de recorrer à imaginação, apenas que as histórias que tanto criou agora ocupam um lugar carinhoso dentro de suas memórias.

Às vezes, há um recado que precisa ser descoberto por trás da fantasia. Quando era mais nova, Isabela, 8 anos, só tirava sua roupa de Homem-Aranha para vestir a do Batman. “Ela usava todos os dias e em todos os lugares: na escola, no clube, no shopping e até para dormir”, conta a executiva do mercado financeiro Adriana Goes, 42, que também é mãe de Lucas, 9, e Laura, 6.  À primeira vista, o comportamento podia ser explicado pela própria personalidade da menina: “Ela adora chamar a atenção. Quer sempre todo mundo olhando para ela, monopoliza as brincadeiras, é bem excêntrica”. Mas a mãe entendeu que isso também podia ser um pedido de atenção, já que, por causa do trabalho, passa pouco tempo com os filhos durante a semana. “Quando percebi essa necessidade de estar mais comigo, comecei a procurar atividades para fazermos juntas. Nos matriculamos em um curso de pintura e aquele passou a ser um momento só nosso”, lembra.

A exemplo de Adriana, um olhar atencioso dos pais pode descobrir que os heróis preferidos do filho e suas brincadeiras significam muito sobre a personalidade dele e até mesmo uma dificuldade pela qual esteja passando. Isso porque tudo com o que a criança se relaciona na infância é extensão de seus sentimentos. Quanto mais nova, menor a distinção entre pensar, sentir e fazer. Se ela gosta mais de determinado personagem, é muito provável que ele vá ao encontro de seus anseios ou inseguranças. “É natural que a criança se sinta atraída por heróis que tenham características mais parecidas com as dela, ou um poder que ela gostaria muito de ter também. É normal e saudável que essa identificação aconteça”, afirma Rita.

AO INFINITO E ALÉM

E não precisa se preocupar se, um dia, seu filho quiser se vestir de heroína ou princesa. Ou se sua menina, assim como Isabela, só gosta de Batman. O americano Paul Henson, 28, ficou famoso ao passar por uma situação como esta com o filho Caiden, 4. Na véspera de Halloween do ano passado, a criança pediu para usar a fantasia de Elsa, da animaçãoFrozen. O pai não só atendeu ao pedido como ele mesmo se fantasiou de Anna, a irmã da princesa gelada. “O dever de pais, professores e cuidadores é ensinar que não existem fronteiras na imaginação. Em vez de construir muros ao redor do que a sociedade considera estranho, nós devemos derrubá-los”, disse à CRESCER.

O problema maior é mesmo quando a brincadeira se torna monotemática demais ou a obsessão por determinado personagem fica tão forte a ponto de impedir que a criança vivencie outras formas de brincar. O conselho, então, é para que os pais procurem inserir novos estímulos no cotidiano. Que tal introduzir assuntos que podem ser de interesse dela, como o mundo dos dinossauros, por exemplo? Livros, peças de teatro e passeios em centros culturais podem ajudar. Além disso, você pode se sentar com o seu filho e criar seus próprios heróis, quem sabe até inspirados em pessoas da vida real,como o bombeiro ou um tio fanfarrão. A diversão é garantida. Ah, e não se esqueça de que não precisa recorrer aos aplicativos educacionais ou aos brinquedos caros e tecnológicos para estimular a imaginação.

Uma pesquisa do Laboratório da Criança da Universidade de Temple, nos Estados Unidos, mostrou que as crianças se beneficiam muito mais de brinquedos que são comandados por elas do que daqueles que as comandam. “Com um pequeno esforço da família, é possível preparar um ambiente enriquecedor para a criatividade e a imaginação. Uma dica é oferecer materiais menos estruturados, como sucata, folha, caixa de papelão e gravetos, para construir o próprio cenário de ação”, aconselha a psicóloga Andrea.

O LADO NEGRO DA FORÇA

De maneira geral, os heróis trazem bons ensinamentos às crianças. Eles ajudam a definir os conceitos de certo e errado, bom e mau, e dão aos pais a chance de conduzir importantes conversas. Além disso, o fato de fantasiar com superpoderes torna tudo possível, o que pode aumentar a confiança, inclusive, para encorajá-los a travar grandes batalhas, como doenças graves ou mesmo reduzir a ansiedade antes de tomar uma vacina. E não é só isso: um estudo da Universidade de Stanford mostrou que crianças que experimentam superpoderes no mundo imaginário se tornam mais prestativas e altruístas na vida real.

Mas, como tudo na vida, há sempre um lado B. A professora Sharon Lamb, da Universidade de Massachusetts, em Boston (EUA), vem pesquisando a evolução dos heróis ao longo dos anos. Em seu discurso durante a Convenção Anual da Associação Americana de Psicologia, ocorrida em 2013, no Havaí, ela ressaltou que é preciso cuidado com os heróis de Hollywood, já que são mais voltados para a ação e participam de violências constantes. Para ela, alguns desses personagens, como o Homem de Ferro, são agressivos, sarcásticos, egoístas e raramente falam de virtude. “São muito diferentes dos heróis dos quadrinhos, que, quando não estavam com suas fantasias, eram pessoas reais com conflitos e muitas vulnerabilidades”, disse.

Outro problema está relacionado à falta de preocupação de algumas famílias com a classificação indicativa das histórias. “Temos de tomar muito cuidado com aquilo que entregamos à criança quando ela ainda não tem suporte ou maturidade para lidar com certos assuntos”, diz a neuropsicóloga Lucilene. Por fim, mas não menos importante, os super-heróis são modelos que podem gerar expectativas irreais nas crianças e, por isso, a brincadeira exige supervisão para que seja segura. Em 2007, um garoto de 5 anos fantasiado de Homem-Aranha entrou em uma casa em chamas para resgatar um bebê. O desfecho foi positivo, mas nem sempre finais felizes acontecem na realidade.

Com mediação, estímulo, amor e respeito, os pais evitam que o lado negro da força faça algo de ruim ao seu filho e ainda mostram que, na verdade, são eles os verdadeiros super-heróis. Podem não ser os mais fortes e poderosos, mas estão sempre com o colo e o carinho prontos para ajudar as crianças a enfrentarem qualquer batalha.

O QUE FAZER SE SEU FILHO…

…Vive no mundo da lua?
Quanto mais nova a criança, maior é a confusão entre fantasia e realidade. Desde cedo, você pode deixar claro para ela a diferença entre os dois mundos, com cuidado para não arruinar a brincadeira. Tente frases como: “Você só tem superpoderes enquanto está brincando” ou “Agora precisa tirar a fantasia, ela faz parte da brincadeira e nós estamos na vida real. Aqui você tem obrigações, os heróis não voam…”

…Incorpora o Hulk e bate nos amigos?
Quando o herói se torna escudo para desvios de comportamento ou agressividade, o problema fica mais sério. A criança pode estar passando por angústias com as quais não consegue lidar sozinha, como separação dos pais ou bullying. Os adultos precisam ficar atentos ao comportamento da criança e, se for preciso, recorrer à ajuda profissional. Mas, se for apenas um excesso na brincadeira, explique a ele que não pode fazer isso na vida real.

…Não tira a roupa do herói nem para lavar?
Aí não adianta: precisa ser firme. Por mais feliz e charmoso que o seu filho esteja na fantasia, é importante que ela esteja presente apenas na hora da brincadeira. Deixe isso claro a ele, de preferência desde o começo. Mas não precisa levar tudo tão ao pé da letra. Uma vez aqui, outra ali, não tem problema em deixá-lo passear vestido de herói.

…Acha que tem superpoderes e tenta voar?
A segurança das crianças deve vir em primeiro lugar, por isso, enquanto elas ainda vivem intensamente o mundo da fantasia, cabe supervisão. Se acontecer de ela se machucar, aproveite para explicar que os poderes mágicos só existem no faz de conta.

…Não tem o menor interesse pelos heróis?
Fique tranquilo, não há nenhum problema nisso. Não se envolver pelo mundo mágico não significa que seu filho não tem imaginação ou criatividade. Algumas crianças preferem atividades mais lógicas e que exigem extrema concentração, como blocos de montar e quebra-cabeças. Outras preferem extravasar com tinta e papel, e há quem prefira os livros. Na verdade, as preferências de brincadeiras têm muito a ver com a dinâmica familiar.

TRÊS DICAS PARA AJUDAR A SOLTAR A IMAGINAÇÃO

Diversifique as experiências: Como seu filho vai brincar de outras coisas se só conhece histórias de heróis? Que tal ler mais livros juntos, fazer passeios culturais (museu, planetário e teatro são ótimos para isso) ou até organizar aquela festa do pijama para juntar os amigos?

Não ofereça tudo pronto: Usar materiais como caixa de papelão, sucata, argila, tinta e massinha para construir um brinquedo pode ser mais prazeroso que a própria brincadeira.

Faça você mesmo: Para que comprar uma fantasia se o saco de lixo ou um pedaço de tecido pode virar uma ótima capa de Batman? Uma armação de óculos antiga (e sem lente!) e uma camisa social velha já ajudam a compor o look do Clark Kent. Aí é só pôr uma camiseta com o logo, em EVA, do Super-Homem por baixo.

LIÇÕES DE CADA HERÓI

Pai de Leonardo, 5 anos, e autor do blog Pai Nerd, Jorge Freire Júnior levanta essas virtudes:

O lado bom de cada super herói (Foto: Redação Crescer)

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