Piloto e copiloto conduzem um avião a 11 mil metros de altura. Tudo parece bem até que a aeronave começa a pegar fogo. Diante de tamanho desespero, eles podem começar uma discussão em busca do culpado. Há também a chance de um deles sair gritando pelos corredores do avião, ou ainda ficar paralisado e não conseguir ajudar. Entre tantas possibilidades, uma delas é manter a calma e colocar em prática todos os conhecimentos que aprenderam durante os treinamentos para, juntos, pousar o avião com segurança.
É exatamente essa a comparação que a psicóloga Lauren J. Behrman, especialista em divórcio e coautora do livro Loving Your Children More Than You Hate Each Other (“Amando seus filhos mais do que vocês se odeiam”, em tradução livre), recém-lançado nos Estados Unidos e sem previsão de publicação no Brasil, faz sobre o processo de separação entre um casal com filhos.
Equilibrar a razão e a emoção e manter os filhos longe desse tumulto de sentimentos não é mesmo fácil. No Brasil, cada vez mais casais vivenciam esse desafio. Dados do IBGE mostram que após uma leve queda, o número de divórcios no país aumentou 5% em 2016 entre os pais com filhos menores de 18 anos.
“O rompimento de um casamento consolidado significa um luto para a criança e para o casal, já que haverá a perda da rotina e dos papéis construídos dentro do contexto familiar”, explica a psicanalista Giselle Groeninga, diretora de Relações Interdisciplinares do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e membro do conselho da Sociedade Internacional de Direito de Família (ISFL). A questão é como atravessar esse período de turbulência – lembra do avião? – para que todos, em especial os filhos, pousem sem riscos nesse novo território. “O final desejável de uma separação é que os pais não confundam o casal conjugal desfeito com o parental, que continua para sempre. Misturar os papéis implica vivenciar um divórcio de forma melancólica, insegura e instável”, completa Giselle.
Para os filhos, a separação representa uma mudança fundamental e, muitas vezes, traumática, já que reflete a perda de sua família. A principal dificuldade, no entanto, é entender, na prática, como a sua vida vai mudar. “Por isso, é fundamental conversar com as crianças, independentemente da idade. Elas sentem necessidade de nomear, ou seja, encontrar um significado para o que estão vivendo”, diz a psicóloga Rita Calegari, coordenadora psicossocial da rede de hospitais São Camilo (SP). Vale explicar claramente o que está acontecendo. Como? Procure reunir a família assim que algumas decisões já estiverem tomadas.
Se a opção do casal for pela guarda compartilhada, ou seja, em que os dois têm as mesmas responsabilidades e decisões sobre a vida do filho, é importante esclarecer como será a nova rotina da criança e se ela, por exemplo, vai ficar durante a semana (ou apenas aos finais de semana) na casa do pai ou da mãe. “Mesmo quando a guarda é compartilhada, a criança pode continuar morando em apenas um lar. Isso é até recomendado, para que a criança não viva com a mochila nas costas”, alerta a advogada Edwirges Rodrigues, professora de direito de família na Unesp e membro do IBDFAM. A conversa deve ser objetiva, sem longas explicações e frases compridas. Algo como: “Eu e a mamãe não nos gostamos mais como namorados, apenas como amigos, por isso, agora cada um vai ter a sua casa. Você poderá visitar a casa do papai sempre que quiser e eu estarei sempre por perto. A única diferença é que agora eu não vou mais dormir nesta casa”. Além disso, leve em consideração a idade do seu filho para saber a melhor forma de agir. Cada fase tem necessidades diferentes para enfrentar as mudanças na dinâmica familiar.
Veja, a seguir, a capacidade de compreensão de cada uma delas e mostramos como facilitar o processo de transição:
BEBÊS DE ATÉ 2 ANOS
Nesta fase, o bebê tem um vínculo quase tangível à figura materna por conta do parto e do aleitamento. “Todas as nossas emoções são secretadas por meio de hormônios, como o cortisol, relacionado ao estresse, que é transmitido para o bebê na amamentação”, diz Rita Calegari. Dessa forma, é muito comum que ele sinta a tensão por meio dessa relação, mas ainda não é capaz de compreender o que está acontecendo. “Os bebês necessitam de consistência e rotina para desenvolver segurança. Por isso, são extremamente vulneráveis às variações do ambiente. A separação pode causar uma descontinuidade emocional que abala a confiança deles”, explica a psicanalista Giselle. Se a tensão continuar, eles podem ficar irritados, especialmente em contato com novas pessoas, ter problemas de sono e crises de choro frequentes. Apesar de ser mais comum na próxima fase, bebês também podem
Como facilitar a transição
Manter uma proximidade física é fundamental para a criança desenvolver a segurança. Durante e após o processo de separação, procure participar da rotina do seu filho, seja na hora de dormir, levar à escola ou oferecer uma das refeições. Lembre-se que um dos lugares onde o bebê se sente mais seguro é no seu colo, por isso, reforce a oferta do aconchego e procure manter a calma nesse momento. Conte com a ajuda de familiares, como os avós, por exemplo. Eles oferecem ao bebê a confiança e o conforto necessários, sem a ansiedade que os pais estão vivendo nesse período.
DE 3 A 7 ANOS
Nesta fase, eles vivem o auge do egocentrismo infantil e, por isso, podem sentir-se culpados pelo rompimento dos pais. A partir dessa idade, procure evitar que a criança veja o momento de saída de um dos pais de casa com as malas, por exemplo. Combine com seu ex-parceiro que ele pode fazer a mudança aos poucos ou deve aproveitar um dia que ela não esteja em casa. O medo do abandono é comum nesta etapa e o distanciamento de um dos pais pode ser visto como punição. Para evitar esse sentimento, faça justamente o oposto. Leve a criança para conhecer a nova casa de um dos pais e envolva-a no processo de escolha dos móveis do novo quarto. “Segurança vem da perspectiva de continuidade emocional”, alerta Giselle.
Durante o processo de separação, seu filho pode chorar mais do que o habitual, ter crises de birra, apresentar algum tipo de regressão, como voltar a fazer xixi na cama ou ter dificuldade de dormir sozinho à noite. “Voltar para fases anteriores de seu desenvolvimento é um mecanismo de defesa da criança, que mostra como ela é vulnerável. Nesses casos, procurar ajuda profissional é uma alternativa a ser considerada”, alerta Rita.
Como facilitar a transição
Assim que a nova rotina estiver estabelecida, é hora de conversar com a criança. Neste momento, procure envolver os filhos em um clima repleto de afeto, oferecendo segurança, e assegure que eles não são responsáveis pela separação e não podem fazer nada para que o processo seja revertido.
Para o clima ficar mais leve, vocês podem se reunir em um parque ou em um restaurante, por exemplo. Dê espaço para as perguntas e ofereça respostas objetivas, ou seja, não prolongue além do que a criança gostaria de saber. Não use a mentira – papai foi viajar, por exemplo – como estratégia para diminuir o impacto da separação. É importante que as crianças entendam os movimentos à sua volta, assim como é papel dos pais nomear o que elas percebem e sentem. Na sequência, você e seu parceiro devem trabalhar juntos para criar uma rotina previsível e consistente, de forma que a criança possa seguir com facilidade. Também é importante passar tempo de qualidade com seu filho, além de pedir a amigos e parentes confiáveis que façam o mesmo.
DE 7 A 10 ANOS
Seu filho já tem um nível maior de independência e autonomia, e começa a ter outros interesses e vínculos fora do ambiente familiar. “Em busca de aprovação social, ele pode usar os pais como predicados. Se eles estão fragilizados, a condição de filho de pais separados pode torná-lo menos confiante”, alerta a psicanalista Giselle. Além disso, é comum que as crianças se preocupem em perder o pai, caso estejam morando com a mãe, ou acreditem que possam “salvar” o casamento dos pais.
Outro comportamento típico da faixa etária é culpar um dos lados pelo rompimento e dividi-los entre bom e ruim. “Diferente das outras fases, em que a maioria das crianças apresenta regressão no desenvolvimento, nesta faixa etária seu filho pode somatizar os sentimentos”, diz Rita. Desconfie de uma dor na barriga subjetiva, uma brusca queda no rendimento escolar ou ainda um comportamento agressivo explosivo. De novo, a ajuda profissional pode ser uma saída.
Como facilitar a transição
Os pais devem assumir o compromisso de reconstruir a segurança e a autoestima da criança. Após a conversa sobre o rompimento, cada pai precisa ter tempo a sós com o filho. “É importante criar um ambiente favorável para a criança falar sobre os sentimentos e deixar claro que nenhum dos pais irá abandoná-la”, afirma a psicóloga Rita. Aproveite que a escola, as amizades e as atividades extracurriculares têm um peso maior e incentive-a a participar de outros eventos.
A PARTIR DE 10 ANOS
A pré-adolescência é um período de transformações em que mudanças físicas e emocionais podem provocar oscilações de humor e criar um campo fértil para as fantasias. Prepare-se, porque seu filho vai comparar, questionar, criticar e tomar partido. Lembre-se que essa fase é tomada por angústias, dúvidas e questionamentos. “Não atribua esse comportamento ao divórcio. Muitos pais sentem-se culpados e acabam diminuindo a independência dos filhos, quando o que se espera é justamente o oposto”, explica Giselle.
Como facilitar a transição
Assim como nas outras fases, a conversa deve ser o ponto de partida neste processo. Escute tudo o que seu filho tem a dizer, explique claramente os motivos do rompimento e enfatize que os pais sempre estarão por perto, cumprindo os devidos papéis. Nesse caso também funciona incentivar o seu filho a se envolver em atividades extracurriculares e a estar próximo dos amigos.